A relação entre moda e sustentabilidade ganha contornos cada vez mais urgentes e essa urgência se revela de maneira evidente quando observamos a falha crônica da logística reversa no país. Mesmo com iniciativas pontuais e leis que procuram regulamentar esse fluxo inverso de resíduos, muitos produtos têxteis simplesmente não retornam ao ciclo produtivo, acumulando impacto ambiental e desperdiçando potencial produtivo. A complexidade logística, aliada à falta de engajamento dos diversos elos da cadeia, expõe fragilidades estruturais que dificultam o avanço de práticas conscientes e circulares no setor.
A infraestrutura logística brasileira, marcada por grandes distâncias, custo elevado de transporte e deficiência de centros de reciclagem fora dos polos tradicionais, representa um obstáculo significativo. Quando uma peça de roupa é descartada em regiões periféricas ou em cidades pequenas, a rota até indústrias ou cooperativas aptas para reaproveitamento pode ser inviável financeiramente. Muitas empresas não conseguem absorver esse custo extra, ou não encontram operadores logísticos dispostos a assumi-lo. Isso cria um gargalo de retorno que compromete toda a ideia de ciclo fechado para o setor.
Além disso, a fragmentação do setor têxtil — com inúmeros pequenos fabricantes, ateliês e marcas independentes — torna difícil alinhar diretrizes de coleta, triagem e reaproveitamento uniforme. Para que o fluxo reverso funcione de maneira fluida, seria necessário um grau elevado de padronização e integração entre entidades, logística e políticas públicas. Sem essa articulação, muitos atores permanecem isolados, agindo em silos e com pouca escala, o que torna inviáveis operações econômicas sustentáveis de logística reversa.
Outro desafio está nos incentivos regulatórios e fiscais. Muitas vezes o retorno de resíduos ou produtos usados tem tributos, taxas ou barreiras que dificultam sua viabilização. A ausência de um tratamento fiscal diferenciado aos materiais retornados desencoraja práticas de reaproveitamento, pois o custo logístico acaba tornando‑se ainda mais pesado. Sem estímulos concretos, poucas iniciativas ganham corpo e escala, e muitas ficam restritas a projetos piloto limitados.
A adesão do consumidor ao processo de devolução é outro ponto crítico. Se não houver estrutura clara de pontos de coleta, comunicação eficaz ou benefício visível para quem devolve, o retorno voluntário tende a ser baixo. Muitas pessoas sequer têm acesso fácil a locais de entrega, ou desconhecem que podem realizar a devolução. Nesse cenário, a logística reversa depende de estratégias de incentivo, sensibilização e envolvimento da sociedade para se tornar uma prática disseminada.
As marcas que já tentam incorporar práticas circulares enfrentam a necessidade de reimaginar seus modelos de negócio. Isso implica repensar design, materiais, durabilidade e desmontagem de produtos. Produtos concebidos para serem recicláveis ou reaproveitáveis exigem uma concepção inicial consciente, de modo que possam ser desmontados, separados por material e reintegrados em novos ciclos. Essa abordagem de design reversível é custosa e exige expertise, mas é fundamental para que a logística reversa funcione com sentido, e não apenas como obrigação.
Para superar essas falhas e promover uma transformação real, é preciso mobilizar políticas públicas que apoiem a expansão da coleta, estabelecer parcerias com cooperativas de catadores, incentivar inovação em reaproveitamento e garantir regulação clara com metas tangíveis. A integração entre governo, empresas e sociedade civil pode criar estruturas viáveis que incentivem o retorno dos resíduos têxteis. Quando isso for feito de maneira orquestrada, será possível conectar produção, descarte e reaproveitamento em cadeias circulares mais eficientes.
O caminho é longo e exige persistência, mas mesmo diante das falhas visíveis, cada ação conta. Se a tendência for multiplicar modelos replicáveis, consolidar política pública e sensibilizar consumidores, a moda poderá caminhar rumo a uma nova era — em que descartes sejam vistos como insumos em potencial e a logística reversa deixe de ser obstáculo para se tornar instrumento de inovação e compromisso ambiental.
Autor: Alexeev Voronov Silva